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Hematologista Clínico com paixão por Propedêutica e pela Filosofia - Consultório: * Tel. 21 38160545 / 21 988389220

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Sobre o Morrer - Ao Amigo Sodré

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Como médico, por mais experiente que me considere, nunca vou compreender o significado da morte por doença... da morte sofrida... dolorosa...
Hoje estou perdendo uma paciente/amigo...
Após alguns anos lutando contra um Mieloma Múltiplo... houve agravamento da doença... Morava em outra cidade... por vezes o visitei... Complicações... e eu, atualmente um "aleijão"... impossibilitado de acompanha-lo... Culpa... 


Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: Uma vida nova está nascendo. 
Há dores que fazem sentido nenhum... 
Morrer sofrendo dor inútil. Qual será o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada de nós médicos, que dormimos em paz por haver feito aquilo que o costume manda...  costume a que frequentemente damos o nome de ética.


Já tive medo de perder pacientes... Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza...


Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.


É dever de nós médicos fazermos todo o possível para que a vida continue... Sou fervoroso nesse princípio... Luto pela vida... mas... pela Vida.


Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida é o supremo princípio ético do amor". 


Mas o que é vida? 
Quem a define? 
O coração que continua a bater num corpo abstrato? 
Fluxos de sangue em artérias cerebrais?
Ondas elétricas num monitor?


A despeito de toda Biofísica e Bioquímica estudada, confesso que nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define exclusivamente sob prisma biologico. 


Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, 22 anos, cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". 


Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. 
Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma em forma inerte de desesperança...


Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.
Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um feito muito maior que o simples fato de respirar. Somente a ardente paciência fará com que conquistemos uma esplêndida felicidade. ( Pablo Neruda)


Que o Eterno guie a arte de curar juntamente com o respeito pela vida!
... e que eu tenha respeitado meu amigo...


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Um comentário:

  1. Um texto que fez meu sangue fervilhar... meu coração bater mais forte e ter uma profunda admiração por aquele que usa o nome "MÉDICO" com muito respeito pelo ser humano!!!!!!!!

    Parabéns pelo texto...

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