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O LOBISOMEM
Pobre coitado, dividido em metades... Homem... Lobo...
Homem que se transforma em lobo... Homem que se transforma...
Segundo a crendice popular ele vagueia pela noite para cumprir o seu destino...
Homem comum, vive e trabalha... conversa, convive, comemora...
Nas noites de Lua Cheia se transforma em um lobo ou em um homem peludo com cabeça de lobo e ataca quem cruza o seu caminho. Antes do dia raiar volta a forma humana.
Justo uma Lua Cheia é o evento transformador... Curioso pois também fui testemunha da maior lua do século em Itatiaia... e de fato fui transformado, não em Lobisomem, mas em Vampiro - meu alter ego... transformando minha metade humana dependente do sangue de outrem...
"O lobisomem é o filho que nasceu depois de uma série de 7 filhas. Aos 13 anos, numa terça ou quinta-feira, sai de noite, e topando com um lugar onde um jumento se deitou, começa a sua sina. Daí por diante, todas as terças e sextas-feiras, de meia-noite às duas horas, o lobisomem tem de fazer a sua corrida ... Quem ferir o lobisomem, quebra-lhe o destino; mas que se não suje no sangue ou herdará a triste sorte... Para desencantá-lo basta o menor ferimento que cause sangue. Ou bala que se unte com cera de vela que ardeu em 3 missas de domingo ou na missa do galo, na meia-noite do Natal." (Luís da Câmara Cascudo)
Vida árdua... dividida em metades... tendo que ser ferido a sangue para ser normal...
Ferido a sangue para ser inteiro...
Ferido a sangue para ser inteiro...
Ferido a sangue para que metades façam sentido... porque não sei quando as metades tem que fazer algum sentido...
Porque nunca sei qual metade do sangue coagula e qual metade sangra...
Porque nunca sei qual metade do sangue coagula e qual metade sangra...
Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.
(Oswaldo Montenegro)
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