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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Hematologista Clínico com paixão por Propedêutica e pela Filosofia - Consultório: * Tel. 21 38160545 / 21 988389220

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Sobre Sangue E Conhecimento





Uma das primeiras, e mais elaboradas, classificações dos distúrbios mentais vem da época do descobrimento do Brasil... Naquele então a distinção clássica era limitada a apenas quatro tipos de doenças: Consternatio(estados febris e catatônicos), Defatigatio(insônia provocada por forças sobrenaturais), Imbecilitas (dispensa maiores explicações) e Alienatio(demência, alcoolismo, possessão pelo demônio, melancolia, ciúme e amor)... e um dos tratamentos mais comuns era a transfusão de sangue para o corpo do doente (infelizmente na maioria das vezes era sangue de cordeiros)...

Demorou muito para que Freud inaugurasse a psicanálise e Balint concluísse com a premissa: "...o médico é um medicamento..." Assim sendo o homem deve ser tratado em sua totalidade, sem a distinção entre corpo e mente... Não tratamos mais os distúrbios mentais com "transfusões" e o materialismo químico dos psico-fármacos tem que ser revisto incansavelmente...

Durante anos, lecionando na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, participei de um "Grupo Balint", onde a reflexão contínua era instigada... Cada semana era trazido um caso, ou vários, e fazíamos uma verdadeira auditoria da terapêutica, das condutas, das posturas... Ao final o que realmente acontecia era o tratamento dos professores, médicos e alunos ... Tínhamos uma contínua "transfusão" de conhecimento... recebido... trocado...

Quanta anemia temos que ter?
Quanta transfusão temos que receber?
Quanto sangue somos capazes de doar?

A Filosofia do pensamento médico-científico ensina a questionar o conhecimento aceito e, então, estabelecer novo conhecimento por meio da prática do método científico...

"O Progresso É Uma Série De Negações" ( Hegel)

Neguemos o nosso próprio sangue, doando... nos tornando anêmicos de todo entendimento... prontos para receber toda transfusão... e assim, aos poucos, desenvolvendo nosso sangue, nossa medula... fugindo de toda transformação mágica...
...e que a única doença permitida seja a Alienatio, pelo amor...
...para nos tornarmos verdadeiros dementes de tanta necessidade amorosa de conhecimento, auto-conhecimento e elucidação, que nos leva ao desenvolvimento de nossa consciência, transcendendo as "couraças" e indo em direção da nossa verdadeira essência de amor, uma viagem que certamente exige mais coragem do que segurança.

Certos médicos têm medo do que pode vir a acontecer, mas esquecem que o fluir do sangue está presente no agora. E é no agora que está a verdadeira "transfusão" e o verdadeiro aprendizado que talvez até traga a paz e a satisfação interior. Aprender, aprender, aprender...

E assim, podendo manter sempre viva minhas palavras pronunciadas ha mais de 20 anos, onde conclamei Apolo, Esculápio, Higeia e Panaceia, e tomei por testemunhas todos os presentes, para cumprir, segundo meu poder e minha razão o juramento de manter imaculado meu sangue, minha arte, minha medicina...


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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Destinos E Decisões




Como águas profundas, são os propósitos do coração do homem e somente um sábio será capaz de descobri-los...
(provérbios 20:5) 



Filósofos têm argumentado por séculos (milênios, na verdade) se os nossos destinos são guiados por nossa própria vontade ou se são pré-determinados como resultado de uma cadeia contínua de eventos sobre os quais não temos controle... 


Sabemos, juntamente com Shakespeare, que nosso coração tem razões que a própria razão desconhece... e portanto existe um oculto muito além do nosso saber... muito além do pulsar do sangue... que impede a plenitude dos desejos... e faz inescrutável nosso julgamento...


Quem dera fosse simplificado pela quiromante em linhas visíveis... mas não... passamos ao impalpável até para nossas linhas palmares...

Por um lado, parece que tudo o que acontece tem algum tipo de explicação causal; por outro, quando tomamos decisões, parece-nos que temos o livre arbítrio que nos permitiria tomar decisões diferentes e trilhar outros caminhos.

Uma história atribuída ao Rabino Schachter fala sobre um discípulo que veio perguntar sobre como tomar decisões:



-Como atingir a sabedoria para tomar o melhor julgamento?

-Pelo bom senso, de bons julgamentos.
-E como é que se alcança o bom julgamento?
-Por meio de muita experiência.
-E como é que alguém atinge muita experiência?
-Por intermédio de maus julgamentos! 

O debate sobre o livre-arbítrio e o determinismo é um problema desse tipo.

O princípio central do determinismo é que tudo o que acontece é o resultado de algo que o fez acontecer, e esse algo foi provocado por um algo anterior e assim por uma cadeia infinita que remonta ao início dos tempos... ou até antes...

O conflito surge quando as pessoas se deparam com a necessidade de fazer uma escolha ou tomar uma decisão que resulta em tomar caminhos diferentes, todos eles caminhos igualmente possíveis... jornadas de vidas... Destinos...

Algo tem que ser abandonado!!!

Seja o nosso gosto pelo livre arbítrio, seja a ideia de que cada evento é completamente causado por eventos anteriores...

Para piorar (ou melhorar) minha consciência... eu que leciono e milito nas cátedras... também convivo com definições científicas de um futuro predeterminado e, ao mesmo tempo, inescrutável. A física indica que nosso futuro está escrito. Como disse Einstein em pessoa: "A distinção entre passado, presente e futuro é uma ilusão"...

De todas as formas, se "determinados" ou com "livre arbítrio", fomos presenteados com essa maravilhosa "máquina" de pensar: Nosso Cérebro. 
Com artérias, veias, neurônios, sinapses, pulsos elétricos e todo o sensacional meandro de interligação que o compõe... nos diferenciando de nossos "parentes" primatas... 
Este maravilhoso cérebro também nos auxilia a identificar que neste mundo tão confuso e cheio de opções, ocultas, veladas ou expostas, nós sempre poderemos fazer escolhas... Mesmo que elas já tenham sido feitas... Anteriormente... 



Senhor, tu me sondas e me conheces.
Sabes quando me sento e quando me levanto; de longe percebes os meus pensamentos.
Sabes muito bem quando trabalho e quando descanso; todos os meus caminhos te são bem conhecidos.
Antes mesmo que a palavra me chegue à língua, tu já a conheces inteiramente, Senhor.
Tu me cercas, por trás e pela frente, e pões a tua mão sobre mim.
Tal conhecimento é maravilhoso demais e está além do meu alcance, é tão elevado que não o posso atingir.
Para onde poderia eu escapar do teu Espírito? Para onde poderia fugir da tua presença?
Se eu subir aos céus, lá estás; se eu fizer a minha cama na sepultura, também lá estás.
Se eu subir com as asas da alvorada e morar na extremidade do mar,
mesmo ali a tua mão direita me guiará e me susterá.
Mesmo que eu dissesse que as trevas me encobrirão, e que a luz se tornará noite ao meu redor,
verei que nem as trevas são escuras para ti. A noite brilhará como o dia, pois para ti as trevas são luz.
Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe.
Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Disso tenho plena certeza.
Meus ossos não estavam escondidos de ti quando em secreto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra.
Os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de qualquer deles existir.
Como são preciosos para mim os teus pensamentos, ó Deus! Como é grande a soma deles!
Se eu os contasse seriam mais do que os grãos de areia. Se terminasse de contá-los, eu ainda estaria contigo.
Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece as minhas inquietações.
Vê se em minha conduta algo que te ofende, e dirige-me pelo caminho eterno.
(Salmo 139)


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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Para Onde Corre Nosso Sangue?



A ciência como um todo e a medicina moderna em especial dependem não só do conhecimento minuscioso da bioquímica e biofísica das células, mas também de um entendimento profundo de todo entorno científico que cerca a doença e o doente [ que ironia essa retórica...  como se fosse possível separar a enfermidade do enfermo ]
Esse avanço da técnica e do conhecimento, foi guiado pela ciência... com alguns saltos, algumas revoluções, não tantas como heroicamente (e erroneamente) costumamos narrar... tão pouco a ciência é feita exclusivamente por lampejos de genialidade! É certo que tivemos alguns... mas... Os grandes avanços foram conseguidos realmente pela rotina e persistência de objetívos... lentos... colaborativos... graduais... constantes...

E o conhecimento gerado?
Para onde correu o sangue?
Guiados por quem?
Baixo quais interesses?
Para onde foram nossos valores?

A ciência não é democrática... ela é apaixonada e sanguinária... e muitas vezes ela é contraintuitiva... Segue por veias do irracional e do implausível...
Na vida cotidiana, acabamos aceitando tudo isso sem refletir, pois são coisas que na maioria das vezes não nos afetam... Mas quando os fatos entram em conflito com nossos interesses ou nossa visão do mundo... hum... pode ter certeza que teremos problemas...

Sou Médico Hematologista e Professor... Racionalista... Lecionando com firme convicção e clareza todos os fundamentos evolucionistas pertinentes...
Sou Criacionista... Creio firmemente num Deus criador de todas as coisas... e me aceito como criatura pessoal e individualmente criada.
Meu sangue corre pela ciência e pela fé com igual equilíbrio... com equivalente fé... com mútuo respeito...


No final do século XVII, as noites de lua cheia eram aguardadas pelos amigos da "Sociedade Lunar"... eram livres pensadores com grande variedade intelectual, não eram aristocratas ou acadêmicos... eles tinham em comum a tolerância... Alguns eram não conformistas, outros, sacerdotes da igreja oficial, alguns eram radicais, outros tradicionalistas. Mas todos deixavam as convicções políticas e religiosas de lado, pois o assunto das conversas "baixo a lua" eram as incríveis descobertas científicas e técnicas produzidas naquele século... Aquele era o alvorecer de uma época em que as vertentes sanguíneas da ciência falavam mais e melhor... Iniciou-se a voz do intelecto... que aos poucos ganhou espaço... ocupou veias, artérias e todo nosso ser... O fervilhar da ciência criava veias paralelas com as veias da fé... 


Que uma nova "Sociedade Lunar", se reúna em algum parque florestal, em noites de lua cheia e com seus valores de tolerância crie em todos nós, novas artérias e veias para o fluir do sangue pela ciência e pela fé...


...porque não ha ciência no universo que tire do meu coração e das minhas veias a certeza que minha vida foi "comprada" por sangue...


"Onde a árvore cresceu, hoje ruge o oceano.
Ó Terra, que mudanças viste!
E onde agora freme a avenida,
Reinava a quietude do mar central."
(Tennynson)
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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Sangue Fervente E O Córtex Pré-Frontal

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O que faz nosso sangue ferver???

Uma negativa? decepção? e o que dizer da ansiedade? e as decisões?

Ah... as decisões... essas sim fervem nosso sangue...

Tantas variáveis... tantas opções e vertentes... Processar todos esses "obstáculos" parece um martírio para o cérebro. Mas nós, humanos, temos um método bem desenvolvido pelo córtex pré-frontal (a área do cérebro que fica logo atrás de nossa fronte e "raciocina" em cima dos nossos problemas). O "método" é simples: comparar tudo.

Se estamos indecisos entre casar ou comprar uma bicicleta, o cérebro compara todas as consequências das duas opções. Ele não quer saber se você está prestes a realizar o sonho da vida a dois ou se pretende correr a Tour De France - ele vai analisar, dado a dado, se o casamento vai ser mais "vantajoso" que a bicicleta. Como um verdadeiro contador olhando um balanço financeiro.

Essa frieza toda é parte do papel que a razão tem nas escolhas. Ela está olhando para o nosso futuro - quer garantir sucesso no longo prazo, mesmo que a escolha pareça menos prazerosa no presente. É o contraponto aos sentimentos irracionais, como emoções e instintos, que se preocupam com o resultado imediato das nossas escolhas.

Dizem os antropólogos e sociólogos que as primeiras decisões racionais do homem aconteceram entre 200 e 100 mil anos atrás, e aconteceram por causa da evolução social, por conta da nossa evolução cerebral... ( e vejam que ironicamente, por definição, sou um criacionista... ) pois nessa época, passamos a fazer escolhas para preservar o clima de cooperação no bando, na tribo...

É possível que a primeira decisão racional tenha ocorrido quando um homem conteve o impulso de roubar a mulher de outro... Ou evitou agredir um companheiro. E assim começamos listas de prós e contras para tudo... Que pena...


A medicina passou a entender como a razão opera graças a um grave e curioso acidente. Aconteceu em 1848, com o americano Phineas Gage que trabalhava na construção de estradas de ferro nos Estados Unidos, quando se descuidou ao preparar uma explosão. A pólvora foi acionada antes do tempo e fez tudo explodir... fazendo uma barra de ferro atravessar seu crânio!!!! E pasmem... ele continuou vivo!!!
A sobrevivência de Phineas teve uma sequela no mínimo "esquisita":
Ficou excessivamente racional.
Não demonstrava emoções e não tomava decisões que fugissem à simples lógica de uma soma matemática. Na época, seu caso não pôde ser explicado pelos médicos. Só na década de 80 o neurologista português António Damásio ( recomendo a leitura de seus livros... simplesmente fantásticos... ), descobriu que o problema de Phineas era o mesmo de pacientes que haviam passado por cirurgia para a retirada de alguns tumores cerebrais.

Portanto o nosso sangue ferve mais ou menos por causa do nosso córtex pré-frontal, que com sua interligação, nos faz usar uma racionalidade desprovida de emoções onde reina, unicamente, a lógica e o racionalismo para as consequências futuras...

E o que fazer com nosso sangue?
Em Cem Anos de Solidão( Gabriel Garcia Marques ), o sangue percorreu a rua, atravessou a praça, entrou em uma casa, para finalmente chegar até a matriarca Úrsula e avisar que seu filho havia morrido... 

Assim tem que ser o sangue... Fervilhante, Vivo... Cheio de vontade própria e da boa inconsequência...

Que venha a "hemorragia" emocional devorando a "coagulação" de nosso córtex pré-frontal...

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