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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Hematologista Clínico com paixão por Propedêutica e pela Filosofia - Consultório: * Tel. 21 38160545 / 21 988389220

domingo, 24 de junho de 2012

A Medicina Não Examinada Não Merece Ser Exercida







A Medicina será completa quando interligar o estudo científico do homem e seus valores humanos... A Medicina será completa ao oferecer um campo para a resolução entre abstrato e o concreto, entre as ciências e toda a humanidade... a procura do conhecimento e a procura do bem-estar...

Dr. Assuero Silva - Por uma Medicina Sustentável - Rio + 20, 21/06/12











O ser humano é biologicamente frágil... Apesar da complexidade de seu funcionamento e da constante evolução científica afim da preservação da espécie, bastam, por exemplo 3 a 5 minutos com supressão de oxigênio que iniciaremos lesões cerebrais possivelmente irreversíveis, basta o contato com alguns vírus mais "virulentos", que comprometeríamos milhares de vidas em poucos dias. Bastam exposições demasiadas ao frio, ao calor, a seca ou a umidade excessiva. Não bastasse tudo isso, sofremos pela inanição ou pelo contrário, pelo excesso de comida... Ou seja: Somos fragilmente "embalados" apesar de maravilhosamente construídos...

Entretanto, a capacidade da medicina moderna é tão impressionante e penetrante que todos nós médicos somos impactados pela maneira que construímos a medicina e justificamos suas finalidades e seus propósitos, por vezes perdendo o tênue limite entre ser o salvador ou o algóz do que definimos cuidar.

Cabe a medicina e seus executores o papel de entender os mecanismos existentes no processo das morbidades e seu alívio ou cura. Cabe ao médico evitar a extinção do ser humano, aliviar suas angústias, ou dores e colaborar nas medidas preventivas. Quando me deparo com um jovem médico ( por vezes um ex-aluno ou um ex-tutorado ) que não exerce estes princípios básicos e usa sua carreira para ascensão social ou política ou ainda que utiliza de seu sua influência médica para em benefício próprio angariar fundos com práticas médicas contestáveis e não científicas, eu me sinto traído!

A ciência médica em detrimento das outras é uma das mais nobres e mais apaixonantes de ser exercida... Para isso temos que senti-la... Sua profundidade, o que ela representa... Vivencia-la, participando ativamente do processo de vida e morte de outro ser humano... As vezes devido a esta complexidade surgem muitas frustrações, conflitos e todo dissabor que uma relação profundamente intima proporciona...

Ser médico não é ter uma postura soberba e intocável, não é vestir o tradicional branco, jaleco, pijama cirúrgico ou usar uma gravata importada e por isso sentir-se diferente dos demais... Ser médico não é falar pausadamente com frases prontas e linguajar erudito, vivendo em função de uma imagem. Ser médico é aceitar desafios diários e obrigações impensáveis... Ser médico é ser salva-guarda da raça homana e humildemente sentir o peso e a responsabilidade disso tudo...

Noites insones, livros, artigos, revistas, resumos... buscas por diagnósticos pouco claros... o constante assédio da indústria farmacêutica, gerando um conhecimento (?) pleno de interesses velados e escusos... Por outro lado as rotinas massacrantes, muitas vezes com queixumes que representam muito mais doenças "preveníveis" ou impensáveis no século XXI... verdadeiras patologias sociais advindas da doença moral de nossos políticos e de nossas políticas...
Rotas, Rotinas, Protocolos e Planilhas... gerando indicadores ... que talvez não gerem saúde ... mas seguramente nos afastam mais e mais da beira dos leitos e do olhar dos pacientes...

Examinar diuturnamente a medicina e refletir filosoficamente sobre a vida é um exercício de humanidade, buscando evoluir nas relações mas principalmente buscando a evolução da sociedade e o quão saudável ela pode ser...




Na mitologia, Asclépio o "Pai da Medicina" aprendeu a arte de curar... Tornou-se mestre... Ensinou... Desafiou a morte... Foi condenado a sair do Olimpo... Levado ao Hades (um inferno)... Resgatado, habita  nas estrelas e caminha entre os homens, ensinando medicina e aliviando-nos das doenças...

Que uma "Asclépio" maior nos faça sair do Olimpo nebuloso de convencimento e nos leve ao estado de reflexão permanente da Ciência-Arte que é a verdadeira medicina... Sem as tentações mercantilistas, financeiras ou das "superespecializações"... que é o caminho certeiro ao Hades de ignorância e desprezo à humanidade.




Medicina é ciência, arte e virtude, integralmente unidas nas atividades diárias do médico. Desarticular um dos membros dessa tríade é desmembrar a Medicina - cuja característica essencial é relação especial que une um ao outro. Quando isso acontece, ai poderemos ter um cientista, um artista ou um prático, mas jamais teremos um médico.

Edmund Pellegrino - The Anatomy of Clinical Judjments 

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quinta-feira, 14 de junho de 2012

As Panacéias da Vida




O que você acharia se lhe oferecessem uma substância que prevenisse a ocorrência de grande parte das doenças que nos afligem, como o câncer e o mal de Alzheimer, e que, ao mesmo tempo, fosse capaz de conservar a sua juventude e seu vigor sexual? E que, além disso, fosse totalmente natural e pudesse ser obtida a um baixo custo e sem efeitos colaterais, por meio do simples consumo diário de algumas pílulas?

Para muita gente, esse tratamento existe e está ao alcance em farmácias e até supermercados... A cada dia milhões de pessoas tomam convencidas de que essas substâncias podem conservar sua saúde e mesmo melhorá-la, movimentando uma indústria bilionária.

São elementos nutritivos essenciais para a vida que possuem na sua estrutura compostos nitrogenados os quais o organismo não é capaz de sintetizar e que, se faltarem na nutrição, provocarão manifestações de carência ao organismo.

As Aminas da Vida - que nome mais tentador!!!

VITAMINAS...

O corpo humano deve receber as vitaminas através da alimentação, por administração exógena (injeção ou via oral), ou por aproveitamento das vitaminas formadas pela flora intestinal (algumas vitaminas podem ser produzidas nos intestinos, pela ação da flora, sobre restos alimentares). A falta delas pode ser total - avitaminose -, ou parcial - hipovitaminose. Em ambas as situações, podem surgir doenças carenciais.

Entretanto, o consumo desenfreado e sem critérios dessas substâncias não tem qualquer efeito benéfico para o bem-estar e podem até causar problemas...

Diferentemente dos carboidratos, lipídeos e proteínas, elas não fornecem energia ou são empregadas como “materiais de construção” biológicos. Por outro lado, há mais de um século sabe-se que diversas patologias não são causadas por agentes infecciosos, e sim por deficiências vitamínicas. Compreendeu-se que as vitaminas são essenciais para a regulação de nossos processos fisiológicos, pois atuam como coenzimas e grupos prostéticos – moléculas que,ao se associarem com enzimas, tornam-nas ativas.

Como no caso de outros nutrientes, a deficiência de vitaminas pode se originar de uma dieta pobre ou desbalanceada ou ocorrer devido a problemas na absorção no trato digestivo, transporte, estocagem ou conversão metabólica. Embora a deficiência seja muito mais comum em países pobres, ela possui uma prevalência surpreendentemente alta nos países ricos, estando muitas vezes relacionada com a ingestão de uma dieta tipo "junk food" ou lixo enlatado... O alcoolismo e o consumo de drogas são fatores que também podem contribuir muito sócio-culturalmente no processo...

As vitaminas estão envolvidas com eventos chave de nosso metabolismo. Vejamos o exemplo da vitamina A, sintetizada a partir de carotenóides e retinóides presentes no leite e em outros produtos lácteos, no fígado, ovos e no pescado. Ela previne a ocorrência de deficiências óticas como a xeroftamia (queratinização da conjuntiva), a queratomalacia (redução e ulceração na córnea), cegueira, deficiências imunológicas, problemas reprodutivos e de crescimento. Juntamente com a desnutrição protéico-calórica, a carência de vitamina A é a desordem nutricional mais comum no mundo e acomete entre 5 e 10 milhões( !!! ) de pessoas anualmente, causando a cegueira de 250 mil indivíduos a cada ano.

Já a vitamina C, encontrada em frutas cítricas, tomates e em vegetais como couve e brócolis, é um poderoso antioxidante e agente redutor. Essa vitamina elimina os radicais, evitando o câncer e o envelhecimento precoce. Além disso, a vitamina C participa do metabolismo do colágeno e na síntese de neurotransmissores e, de uma forma ainda pouco compreendida, das reações imunes...

A vitamina E, encontrada nos vegetais, nos grãos, nos óleos e peixes, também atua como antioxidante. Está estabelecido que sua deficiência pode causar degeneração do sistema nervoso, alterações musculares e anemia hemolítica em crianças. Devido à ampla distribuição dessa vitamina nos alimentos, sua carência é um fenômeno raro, mesmo em países pobres... Confesso que nunca vi ou soube de um caso...

Por sua vez, a vitamina D, presente no pescado, grãos e metabolizada na pele na presença de luz solar, evita a ocorrência de raquitismo infantil e, em adultos, da osteomalacia (perda de massa óssea causada pela carência de cálcio na dieta) e da tetania hipocalcêmica. Essa vitamina está associada com a manutenção dos níveis dos níveis sanguíneos adequados de cálcio e fosfato responsáveis pela mineralização óssea normal.

Uma dieta diária variada e baseada em frutas, verduras, grãos e fontes de proteína deve proporcionar todas as vitaminas necessárias para a manutenção da estabilidade de nosso organismo. E somente em casos específicos, como na gravidez ou doenças degenerativas, devem ser administradas doses extras de vitaminas.

Porém, um homem propôs mudar, há cerca de quarenta anos, a visão que tínhamos das vitaminas e de seu papel em nossa saúde. Tratava-se de ninguém menos que Linus Pauling... uma grande estrela da ciência e único homem a ganhar dois prêmios Nobel em áreas diferentes, química e paz... e isso não é pouco!!! Alguém que tenho verdadeira paixão... Um ícone, junto com Dr. Osler... ( mas isso é outra história... )




Dono de uma enorme inteligência e carisma, Pauling utilizou toda a sua credibilidade para difundir a idéia de que o consumo de doses maiores de vitaminas – várias vezes mais elevadas que as doses diárias normais – poderia evitar a ocorrência de dpenças e até nos proporcionar uma vida mais saudável. Pauling, inclusive, passou a empregar nele mesmo sua teoria e consumiu durante a vida quantidades diárias enormes de vitamina C, na certeza de que esse nutriente iria fortalecer seu sistema imune e prevenir o resfriado e outras doenças.

Pauling e seus seguidores contribuíram para difundir a crença de que o consumo de vitaminas poderia, sem efeitos adversos, zelar por nosso bem-estar físico e mental.

Mas Pauling, que sempre será um ídolo para mim, parece ter negligenciado o método científico... e pesquisas posteriores demonstraram que o consumo diário de vitamina C não evita a ocorrência de resfriados ou mesmo de outras doenças. Isso ocorre porque nosso organismo é incapaz de absorver doses elevadas dessa vitamina. Além disso, seu consumo elevado pode ocasionar efeitos colaterais como uricosúria (excesso de ácido úrico na urina), absorção aumentada de ferro, acidose sistêmica e hemólise infantil.

Outras pessoas consomem vitaminas diariamente para evitar os radicais livres. Porém, esse procedimento normalmente mostra-se inócuo, pois nosso organismo não é capaz de absorver as doses elevadas, podendo inclusive provocar efeitos adversos como distúrbios gastrointestinais, interferência na captação das vitaminas A e K e mesmo predisposição para infecções intestinais em crianças.

O consumo excessivo da vitamina A, por outro lado, pode representar perigos para a saúde. Algumas fortes evidências indícam que doses elevadas desse elemento consumidas diariamente durante períodos prolongados por fumantes podem aumentar em até 30% o risco de câncer de pulmão!!!

Esses resultados mostraram que vitaminas não são tão inocentes ou "boazinhas" e incapazes de causar males. As vitaminas são substâncias cujo consumo desregrado envolve consequências inesperadas e enormes perigos e, por isso, devem somente ser receitadas de forma criteriosa por médicos.

De todas as formas, tenho certeza, que sendo o Amor a Vitamina da Vida, nada trata bem mais e melhor ao homem que a felicidade... Que assim seja...


"Que venham os anos, prentendo comê-los com sabedoria e um pouco de vitamina..."
( Lou Albertoni )
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sábado, 9 de junho de 2012

Sobre a Anemia e a Foice Racial.



Todos sabemos que as doenças não só têm importância médica, como também fortes simbolismos sociais e culturais. A maneira como as enfermidades são percebidas e descritas influencia o modo como elas são diagnosticadas e tratadas, assim como a estigmatização dos pacientes.

As hemácias em formato de foice -“falciformes”- foram descritas pela primeira vez por James B. Herrick, em 1910, em um paciente negro, criando um primeiro paradigma étnico.
Em 1923, o pediatra Virgil Sydenstricker publicou um artigo chamando atenção para o fato de a doença ser familial, afetar igualmente os dois sexos e provavelmente acometer apenas pacientes negros. A partir de então, firmou-se no cânone médico a conexão entre anemia falciforme e “raça negra”.  A associação inicial da doença com uma “raça” teve conotações políticas e ocorreu como parte do fenômeno de “patologização” do negro americano, bem descrito por Melbourne Tapper em seu livro In The Blood: Sickle Cell Anemia And the Politics of Race (“No sangue: anemia falciforme e a política racial”).

Posteriormente, na década de 1970, a conexão foi adotada paradigmaticamente pelo movimento negro americano, em especial pelo cardiologista Richard Williams no seu livro Textbook of Black-Related Diseases (“Livro-texto de doenças do negro”). É curioso que o co-autor de Williams nesse tratado tenha sido nada mais, nada menos que Martin Luther King, que não era médico. Sua participação nos remete à importância social e cultural das doenças e às conseqüências da forma como elas são percebidas e apresentadas. 




Entretanto, a despeito das "evidências" históricas, a distribuição populacional da anemia falciforme e especialmente a sua maior prevalência em indivíduos negros tem nada a ver com "raça" ( ou muito melhor referido: com fatores étnicos ).  Apenas na década de 1950 ( !!! ) que verdadeiramente foram comprovados os dados da associação entre malária e anemia falciforme, quando o médico inglês Anthony Allison identitificou, em Uganda, que crianças heterozigotas falciformes tinham 76% mais chances de sobreviver ao primeiro ataque de malária, quando comparadas com as crianças sem qualquer traço falciforme... "Provavelmente uma alteração bioquímica muito pequena pode conferir a uma espécie hospedeira um grau substancial de resistência a um parasito bem adaptado. Isto tem um importante efeito evolucionário. Significa que é vantajoso para o indivíduo possuir um fenótipo bioquímico raro [...] E significa, também, que é uma vantagem para a espécie ser bioquimicamente diversa e mesmo mutável em referência a genes envolvidos na resistência às doenças.”  - J.B.S. Haldane em 1949 ( perfeito !!!!!!! ) 

Mais tarde tudo isso ficou sacramentado pela óbvia correspondência geográfica entre a prevalência da malária e a frequência do gene falciforme na África.  Deve ficar bem claro, então, que a anemia falciforme não é uma "doença de negros" nem uma “doença africana”, mas sim uma doença eminentemente geográfica, produto de uma estratégia evolucionária humana para lidar com a malária causada pelo Plasmodium falciparum.  

Analogamente, a fibrose cística ou mucoviscidose é outra doença geográfica, desta vez européia, que emergiu como uma provável estratégia evolucionária de resistência à febre tifóide. Já a doença de Tay-Sachs, especialmente vista em judeus asquenazitas, parece estar ligada à resistência à tuberculose.  Mas deve ficar claro e evidente que a fibrose cística não é uma “doença européia”, nem a doença de Tay-Sachs é uma “doença judaica”. Altas freqüências da fibrose cística, por exemplo, já foram observadas em algumas populações do Oriente Médio e da África e a doença de Tay-Sachs é vista em elevada freqüência em canadenses franceses da província de Quebec.  Podemos, com esses exemplos, perceber o papel fundamental das doenças infecciosas na evolução do genoma humano e a notável importância do território endêmico dessas enfermidades na seleção de certos genes em determinadas populações humanas. É totalmente desnecessário invocar conceitos arcaicos como “raça” e “doenças raciais” para explicar a variação de prevalência de doenças genéticas em diferentes grupos populacionais.

Portanto qualquer estígma ou preconceito associado a uma doença específica tem que ser obrigatoriamente revisto sob o ponto de vista científico e humanista. Antes passamos por reflexões de tolerância e aceitação... Identificação de que a tolerância é, antes, expressão da aptidão para a paz, que exigência dirigida a outrem. Na realidade, é uma exigência para si mesmo...

Na Bíblia o livro do Apocalipse fala dos Quatro Cavaleiros: Morte, Guerra, Fome e Pestilência. De forma contemporânea lembrando dos conflitos na Irlanda do Norte, no País Basco, em Ruanda e nos Bálcãs no final do século passado e, após o 11 de setembro, a invasão do Afeganistão e do Iraque no início do século 21, acredito que vamos ter de adicionar pelo menos quatro novos cavaleiros à "tropa" do Apocalipse: Racismo, Xenofobia, Ódio Étnico e Intolerância Religiosa. Para combater esses novos inimigos da humanidade, precisamos promover na sociedade a valorização da diversidade em todos os seus níveis, iniciando em nossos corações e terminando nas ciências... Com uma foice em toda a intolerância!!!!

  " Para Conhecer O Mundo, Primeiro Canta A Tua Aldeia " (Dostoieviski)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Sangue do Meu Sangue

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Amar: 
Fechei os olhos para não te ver
e a minha boca para não dizer...
E dos meus olhos fechados desceram lágrimas que não enxuguei,
e da minha boca fechada nasceram sussurros
e palavras mudas que te dediquei...
O amor é quando a gente mora um no sangue do outro. ( M. Quintana )



















Um dos valores mais arraigados de nossa cultura é o da consanguinidade, ou seja, o da descendência ou parentesco pelo "sangue".Nossa árvore genealógica... Embora hoje recoberta pela ideia dos genes, essa representação "sanguínea" nos liga pessoa-a-pessoa numa base naturalista de nossa visão de mundo: 
-Somos feitos da matéria combinada de nossos pais e mães; eles, de seus respectivos pais e mães, e assim até chegarmos em Adão e Eva...


Mas no final de contas quem é realmente parte de nosso sangue?

A cultura ocidental privilegiou um sistema chamado de bilateral,  pois consideramos consanguíneos todos os parentes pelo lado do pai e da mãe e a afinidade se restringe aos parentes da esposa (ou esposo, evidentemente), encontrados provavelmente nos termos da ‘ideologia do amor’.
Essa é uma das "ancoragens" históricas para nossa representação dos vínculos de sangue. Um pouco de um lado, outro pouco do outro, e estamos engatados em uma árvore genealógica frondosa, com galhos idênticos de ambos os lados...


A pergunta continua: Quem faz parte do meu sangue?

As tramas do parentesco são, porém, muito mais complexas do que apenas a regulação da procriação...
Muito mais do que um simples transmitir o sangue...
Elas lidam com os fatos da procriação, mas também envolvem redes de significado muito elaboradas, carregadas de tensões e conflitos, e muito estranhas aos nossos olhos...
Há sociedades poligâmicas; há sociedades que praticam o infanticídio generalizado, com adoção de filhos de uma casta escrava; há sociedades que praticam a reprodução incestuosa sistemática em suas casas reais; há sociedades em que casamentos homossexuais das elites se combinam com a adoção de descendentes oficiais nascidos na plebe; há sociedades em que o primeiro filho de uma mulher deve ser gerado por um amante cuja identidade deverá permanecer secreta para o filho; e assim por diante...

Nós, brasileiros, latinos, ocidentais não consideramos estranhos, no entanto, os nossos próprios costumes, que tendem a desvalorizar as adoções, por exemplo, e que levam muita gente a gastar rios de dinheiro e rios de lágrimas para conseguir levar a cabo uma gravidez assistida (inseminação artificial, barriga de aluguel etc...) que lhes garantirá um herdeiro "de sangue", "legitimo"... 
-Temos medo de sermos considerados "ilegítimos" ou "bastardos"... De não termos o sangue de nossos pais...


Todas as coisas são interligadas, como o sangue que nos une.
O homem não tece a teia da vida. Ele é apenas um fio dela.
O que fizer à teia, fará a si mesmo. ( Chefe Seattle )

De todas as formas sou filho, irmão, primo, tio "de sangue" de muitos... e tenho meu sangue correndo unido no coração de alguns... Pois esse é o verdadeiro laço de sangue, aquele que não refere cosanguinidade como marco ou qualquer laço genético como ícone, posto que a verdadeira união surge das graciosas teias do amor...

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